Germán Cano volta às raízes: de promessa do Lanús a ídolo do Fluminense

Germán Cano volta às raízes: de promessa do Lanús a ídolo do Fluminense

De joia que não vingou a referência continental

Aos 37 anos, o roteiro é irresistível: o centroavante que ergueu a taça da Libertadores com a camisa do Fluminense saiu das divisões de base do Lanús sem brilho, precisou cruzar fronteiras para amadurecer e, só depois, virou protagonista. A carreira de Germán Cano não foi feita de atalhos. Foi feita de portas semiabertas na Argentina, reinvenção na Colômbia, uma lesão séria no México e um auge no futebol brasileiro que parecia improvável quando ele ainda era só mais um atacante tentando espaço em Buenos Aires.

Nos anos iniciais no Lanús, Cano encarou o cenário comum para jovens atacantes: fila longa, concorrência com veteranos e jogos esporádicos. Veio a sequência de empréstimos dentro do futebol argentino — vitrine boa para ganhar minutos, mas pouco tempo para convencer. O resultado? Pouca sequência, poucos gols e a sensação de que a formação tinha sido boa, mas a porta para o time principal seguia pesada demais.

O ponto de virada apareceu quando ele aceitou sair do eixo e respirar outros ares. Primeiro, uma experiência no futebol colombiano, onde encontrou ambiente e confiança. No Independiente Medellín, a história mudou de tom: gols viraram rotina, a arquibancada o reconheceu como referência e o rótulo de centroavante de área, com senso de posicionamento bruto, ganhou assinatura. Em 2014, Cano virou artilheiro do campeonato colombiano e chamou a atenção internacional. O passo seguinte o levou ao México, onde uma lesão séria de joelho atrasou o plano. Foi duro, mas ali ele aprendeu a lidar com pausas forçadas e a voltar melhor.

O retorno à Colômbia consolidou a imagem de goleador. Cano somou temporadas de alto número de gols, colecionou prêmios de artilharia e lapidou o estilo que mais tarde explodiria no Brasil: leitura fina do espaço, poucos toques, frieza na área e uma obsessão por estar no lugar certo. Ele não dribla para aparecer; se move para finalizar. Em um país acostumado a centroavantes técnicos e empurrados pela bola, Cano virou sinônimo de eficiência.

Em 2020, a vida o levou ao Rio de Janeiro. No Vasco, marcou gols importantes e se tornou ídolo rápido, mesmo em um time em reconstrução. Era o cartão de visitas perfeito: gols em série num cenário adverso, prova de que o faro de artilheiro independe de contexto. O salto seguinte foi natural — a chegada ao Fluminense, em 2022, encaixou talento e ambiente. E quando o sistema funciona, Cano rende no máximo.

No Fluminense, o auge: artilharias, taças e um novo status

No Fluminense, o auge: artilharias, taças e um novo status

No Tricolor, a engrenagem potencializou virtudes. Com pontas que atacam o espaço, meio-campo técnico e posse alta, a bola chega a Cano mais vezes e no lugar que ele mais precisa: entre zagueiros, de frente para o gol. Em 2022, ele foi artilheiro do Brasileirão com 26 gols e terminou a temporada como o maior goleador do país na soma de competições. Em 2023, liderou a artilharia da Libertadores com 12 gols e marcou na final em um Maracanã lotado. O título continental inédito para o clube cimentou o status: de "joia que não vingou" na base do Lanús a protagonista de América.

O repertório não é de firula; é de precisão. Cano ataca o primeiro pau, escapa nas costas, acha rebotes e finaliza de primeira. Vive de movimentos curtos que parecem simples, mas exigem leitura e tempo. A confiança também pesa. Depois da Libertadores, o vestiário do Fluminense passou a olhar para ele como referência de execução. Não é só o gol — é o gol quando importa. E ele entregou isso em mata-matas, clássicos e jogos grandes.

Há também o lado humano que conquistou o torcedor. A celebração com a letra "L" homenageando o filho Lorenzo virou marca registrada. A adaptação ao Rio, o esforço para falar português, a rotina de treinos extras e a parceria com companheiros como Arias, Keno e Ganso completam o quadro. Cano renovou contrato até 2025 e, a essa altura, já ultrapassou barreiras que pareciam inalcançáveis para um atacante que não se firmou cedo na Argentina.

Quando volta a Buenos Aires, o roteiro ganha outra camada. Gente que o viu crescer nas canchas do conurbano agora encontra um campeão da América. Ex-companheiros de base o cumprimentam como quem reconhece uma história de persistência. O bairro que um dia o viu sair em busca de minutos hoje recebe um atacante que carrega faixa de protagonista. O reencontro com as origens não é só geográfico; é simbólico. Ele retorna ao ponto de partida com outro peso e outra voz.

Os números ajudam a explicar o salto. Artilharia do Brasileirão em 2022, artilharia da Libertadores em 2023, títulos estaduais, a conquista continental e a Recopa Sul-Americana levantada no início de 2024. Em paralelo, a consistência: Cano raramente passa longos períodos sem marcar. Mesmo quando a bola não entra, ele segue ocupando zagueiros e abrindo espaço para quem vem de trás. É entendimento de função, não só gol.

O caso Cano também cutuca um velho debate: o Brasil se tornou o lugar onde atacantes estrangeiros de 30+ conseguem alongar o auge? No seu caso, sim. O contexto tático do Fluminense, com posse, circulação e gente perto da área, é ideal para sua leitura. E a liga brasileira, mais espaçada, muitas vezes permite que centroavantes inteligentes compensem a perda natural de arrancada com posicionamento e antecipação.

Voltando ao começo, a passagem discreta pelo Lanús deixa uma mensagem didática para quem olha categorias de base como sentença definitiva. Nem todo desenvolvimento acontece aos 20 ou 21 anos. Cano é o exemplo clássico do "late bloomer": demorou a estourar, mas, quando encontrou o ambiente certo, as características se alinharam. O que parecia insuficiente no início virou diferencial mais tarde.

Para o torcedor do Fluminense, a história tem um sabor especial. Não é todo dia que um camisa 14 cruza fronteiras, vira artilheiro em dois anos seguidos, marca em final continental e se torna rosto de um projeto vencedor. Para quem acompanhou a base do Lanús, há um certo orgulho silencioso: o garoto que não se firmou por lá se impôs no continente. E, quando pisa de novo no território onde começou, ele carrega não só a camisa tricolor, mas uma carreira que virou referência para qualquer jovem que duvida do próprio tempo de maturação.

Se houver bola rolando contra times argentinos, a volta às origens ganha luz de jogo grande. Mas, com ou sem confronto direto, o simbolismo está posto. Cano é a prova viva de que o futebol premia insistência, leitura e adaptação. Da base do Lanús ao topo com o Fluminense, a linha agora é clara: demorou, mas chegou — e, quando chegou, mudou de patamar.