O Guaraná Jesus não é só um refrigerante. É um pedaço da alma do Maranhão. Rosa, doce, com cheiro de cravo e canela, ele aparece nas mesas de almoço, nos lanches da tarde com tapioca e até nas festas de fim de ano. E, curiosamente, começou como um remédio. Criado pelo farmacêutico Jesus Norberto Gomes em São Luís entre 1920 e 1927 — fontes divergem, mas a história é a mesma —, o drink que virou símbolo estadual foi fruto de tentativas, fracassos e uma persistência que só quem conhece o povo do Nordeste entende.
A origem de um sabor que não desapareceu
Quando Jesus Norberto Gomes tinha 14 anos, em 1905, começou a trabalhar na farmácia Marques, em São Luís. Aprendeu rápido. Por volta dos 20, comprou a farmácia Galvão e passou a fabricar remédios: um injetável contra gripe chamado Gomegaya Jesus, uma pasta dentífrica chamada Jesulina, um peitoral e um antigripal. Mas ele não queria só curar — queria alegrar. Foi aí que começou a brincar com guaraná, água gaseificada e açúcar. O primeiro resultado? Amargo. Muito amargo. Os clientes recusavam. "Não era bebida, era remédio", contou um neto em entrevista ao Click Petróleo e Gás. Mas Gomes não desistiu. Testou, ajustou, adicionou corantes naturais, extratos de frutas e especiarias. Até que surgiu o que hoje conhecemos: um líquido rosado, perfumado, doce como um abraço de vovó.Um nome que provocava reverência
Ele chamou de "Guaraná Jesus". Não foi por modéstia — foi por identidade. Na época, usar o próprio nome em um produto era ousado. Mas no Maranhão, onde a fé e a família são pilares, o nome gerou curiosidade, até respeito. As pessoas diziam: "Se Jesus aprovou, deve ser bom." A garrafa, com a assinatura original do criador, virou ícone. E a fórmula? Praticamente inalterada desde os anos 1920. A Wikipédia cita 17 ingredientes, incluindo tutti-frutti, mas ninguém, nem mesmo a Coca-Cola, revela a receita completa. "É segredo de família", dizem os funcionários da fábrica em São Luís. E isso, mais do que qualquer campanha, alimenta o mito.A venda que mudou tudo — e o que não mudou
Em 1980, a família Gomes vendeu a marca para a Companhia Maranhense de Refrigerantes, franqueada da Coca-Cola Brasil. A transação foi silenciosa. Ninguém imaginava que aquele refrigerante regional seria um dia um fenômeno nacional. Por décadas, o Guaraná Jesus ficou restrito a três estados: Maranhão, Piauí e Tocantins. A produção era feita apenas na unidade da Solar BR Coca-Cola, em São Luís. E mesmo assim, vendia mais que Sprite, Fanta e Pepsi juntas no estado. "É o refrigerante da nossa infância", diz Maria do Carmo, 68, de São Luís. "Minha mãe me dava com bolo de arroz. Hoje, dou para meu neto. A fórmula é a mesma. O gosto também."A virada das redes sociais
Até 2016, o Guaraná Jesus era um segredo bem guardado. Mas algo mudou. Jovens de São Paulo, Rio e Brasília começaram a postar vídeos no YouTube: "Tentei o Guaraná Jesus e não acreditei no sabor!" "É como se a vovó tivesse feito um suco com especiarias e açúcar mascavo." Os comentários explodiram. A Coca-Cola, que até então via o produto como um "niche regional", percebeu o potencial. Em 2016, passou a distribuí-lo em outros estados. Hoje, está presente em pelo menos 15. "Foi a primeira vez que a Coca-Cola expandiu um produto regional por demanda espontânea nas redes", afirmou um executivo ao Portal Amazônia. "Nunca tivemos um produto que gerasse tanta emoção antes de ser vendido."Patrimônio cultural — e não só de sabor
O Guaraná Jesus já foi declarado patrimônio cultural imaterial do Maranhão. Não por acaso. Ele está nas festas de São João, nos mercados da Praia Grande, nas embalagens de presente de aniversário. É o único refrigerante brasileiro que tem um dia dedicado: 23 de outubro, data em que, segundo a prefeitura de São Luís, foi registrado o primeiro lote. O slogan — "o sabor de viver o Maranhão" — não é marketing. É verdade. Quem prova, entende. Quem cresceu lá, sente saudade. Quem não conhece, fica curioso. E aí vem a pergunta: por que ele não é nacional? Porque, na verdade, ele nunca quis ser. Ele queria ser maranhense. E isso, talvez, seja o que o torna tão especial.Quem é Jesus Norberto Gomes hoje?
Ele morreu em 1976, aos 87 anos. Nunca foi famoso fora do Maranhão. Nunca apareceu em revistas. Mas sua assinatura está em cada garrafa. E sua herança? Está em cada gole. Em cada criança que prova e pergunta: "O que é isso?" E em cada adulto que responde: "É o sabor da nossa história."Frequently Asked Questions
Por que o Guaraná Jesus é tão diferente dos outros refrigerantes?
Porque sua fórmula foi criada como um tônico medicinal e nunca foi padronizada para o mercado massivo. O sabor combina guaraná com cravo, canela e extratos de frutas, resultando em um perfil complexo e adocicado, diferente dos refrigerantes cítricos ou de cola. A cor rosa vem de corantes alimentícios, mas a receita exata ainda é mantida em segredo pela Coca-Cola.
O Guaraná Jesus é vendido em todo o Brasil?
Não. Embora esteja disponível em pelo menos 15 estados desde 2016, sua distribuição ainda é limitada. A Coca-Cola prioriza regiões com maior demanda, como o Nordeste e o Sudeste. Em muitos lugares, ele só é encontrado em supermercados grandes ou por encomenda online. A exclusividade é parte do seu apelo.
Por que a Coca-Cola não alterou a fórmula?
Porque a fórmula original é o principal ativo da marca. Testes mostraram que consumidores rejeitam versões "modernizadas". A Coca-Cola prefere manter a autenticidade, mesmo que isso limite o volume de produção. O valor emocional supera o lucro imediato — e isso é raro no mundo dos refrigerantes.
O Guaraná Jesus é feito com guaraná natural?
Sim, mas em pequena quantidade. A base é extrato de guaraná, mas o sabor principal vem de aromas artificiais e especiarias. O uso de corantes e sabores sintéticos permite manter a consistência do sabor ao longo dos anos — algo impossível se dependesse apenas do fruto natural, cujo sabor varia com a colheita.
Existe alguma versão light ou zero de Guaraná Jesus?
Não. A Coca-Cola não lançou nenhuma versão dietética ou zero açúcar. A empresa afirma que o produto é um "símbolo cultural" e que alterar sua composição poderia deslegitimar sua identidade. Os consumidores que buscam opções mais saudáveis acabam optando por outras marcas — e isso, curiosamente, reforça o mito do Guaraná Jesus como algo intocável.
Como o Guaraná Jesus se tornou um símbolo do Maranhão?
Porque foi criado por um filho do estado, mantido por uma família local e consumido por gerações como parte da rotina diária. Ele está presente em momentos de celebração, luto e cotidiano. Quando o Maranhão quer mostrar sua identidade, oferece o Guaraná Jesus. Não é propaganda — é pertencimento.
Marcus Souza
Eu nunca tinha provado esse guaraná mas agora tô curioso pra testar
Meu avô falava que no Maranhão tudo tem história e esse aí parece ser um dos melhores exemplos
Leandro Moreira
Isso é pura manipulação do marketing da Coca-Cola. Eles compraram uma marca regional só pra vender como "autenticidade". O sabor é estranho, não é melhor, só é diferente. E ainda por cima, não tem versão zero? Isso é irresponsável.
Geovana M.
Claro que a Coca-Cola não altera a fórmula. Se fizerem um light, o mito desaba. É como tirar o cravo e a canela da sua avó. O sabor não é o que importa, é a nostalgia. E nostalgia vende mais que qualquer campanha de influencer.
Carlos Gomes
É fascinante como um produto criado como remédio se transformou em símbolo cultural. A fórmula original, mantida por décadas, é um caso raro de preservação autêntica no mundo industrializado. A Coca-Cola, ao invés de industrializar, escolheu respeitar. Isso é raro. E o fato de não ter versão light ou zero não é falta de inovação - é coerência. O valor emocional supera o lucro. E isso, no mundo dos refrigerantes, é quase um ato de rebeldia.
MAYARA GERMANA
Claro que é patrimônio cultural... porque o Maranhão não tem nada melhor pra mostrar, né? Um refrigerante rosa com cheiro de remédio de vovó virou símbolo nacional? Que orgulho. E a Coca-Cola só expandiu porque virou meme no TikTok. Se fosse um produto sério, teria sido descoberto antes de 2016. Mas não, tem que ser viral pra valer alguma coisa. O povo brasileiro é fácil de enganar.
Flávia Leão
Jesus Norberto Gomes não criou um refrigerante... ele criou um ritual. O guaraná não é bebida, é memória. É o cheiro da casa da vó, o silêncio antes do almoço, o sabor que a gente não sabe explicar, só sente. E aí vem a Coca-Cola, com seus balões de marketing, e tenta vender isso como "experiência autêntica". Mas a autenticidade não se vende. Ela se vive. E só quem nasceu lá entende.
Cristiane L
Alguém sabe se o guaraná Jesus é vendido no sul? Tentei achar em Porto Alegre e não encontrei nem em supermercado grande. Será que é só no Nordeste mesmo? Porque se é patrimônio cultural, não deveria ser mais acessível? Ou o povo do sul não merece sentir essa história?
Andre Luiz Oliveira Silva
Meu deus, isso é o que o Brasil deveria ser: um lugar onde um cara comum, sem marketing, sem influencer, sem funding, cria algo que vira lenda. Jesus Norberto Gomes não queria ser bilionário, ele queria alegrar. E hoje, 100 anos depois, ele ainda tá ali, na garrafa, na boca da gente. Isso não é marketing, isso é magia. A Coca-Cola só entrou porque o povo gritou. Eles não inventaram o mito - eles só o protegeram. E isso, meu irmão, é raro como ouro puro.
Leandro Almeida
Todo mundo fala de autenticidade, mas ninguém pergunta: por que o sabor é tão doce a ponto de parecer artificial? Porque é. A fórmula usa aromas sintéticos. A Coca-Cola não preserva nada. Ela preserva uma ilusão. E o povo cai nessa. O Guaraná Jesus não é tradição. É nostalgia vendida em garrafa rosa.
Lucas Pirola
... eu comprei uma garrafa em São Paulo... e chorei... não sei por quê... mas foi como se tivesse voltado pra casa... mesmo nunca tendo ido lá... o cheiro... o sabor... era como se a minha avó tivesse feito... mesmo ela sendo de Minas... isso é louco...
Willian Paixão
Se você nunca provou, não julgue. Eu cresci em São Luís, e esse guaraná era parte da minha vida. Minha mãe dava com pão de queijo, minha avó guardava na geladeira só pra festa. Não é só sabor - é carinho. A Coca-Cola não estragou isso. Ela só permitiu que mais gente sentisse o que a gente sentia. E isso é bonito.
Bruna Oliveira
Patrimônio cultural? Que absurdo. Isso é um produto de nicho que virou meme por causa da estética e da falta de opções. O sabor é um caos de aromas artificiais. A Coca-Cola só expandiu porque o marketing digital descobriu que "exótico" vende. E o povo brasileiro ama se achar "especial" por consumir algo que ninguém mais entende. É uma cultura de performance, não de tradição.
Rayane Martins
Se você é de fora e não entende, não é problema do Guaraná Jesus. É problema seu. Ele não precisa de você. Ele já existe há 100 anos. Ele não pediu para ser famoso. Ele só queria ser lembrado. E se você não sente isso, não beba. Mas não tente apagar o que não entende.